quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Criação

Minha mente agora é ovário. Meus neurônios são óvulos que pelo orgasmo do mundo são fecundados. Minha cabeça é útero, que gerando essas ideias embrionárias já se sente mãe mesmo antes de devolver ao pai universo o resultado da libidinosa inspiração que tornou sexo todos os meus sentidos. A felação é meu paladar. Em meu tato Onan se manifesta. O voyeurismo é minha visão. Audição para gemidos e olfato para feromônios. E desta cópula transcendental acabo por parir em forma de arte. Vai agora, minha ideia-criança! Volta ao mundo que me fecundou! Cresce, aprimora-te! Que independente a partir de agora és em tua audácia e delicadeza!

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Esses

Será que seria sério
Sentir somente sintaxe?
Será que seria sagaz
Solapar da semântica os sentimentos?
Será que sorri sem saber
O ser que só segue a saudade?
Ou sem se sondar se sacia
De subsequentes sonetos sem sanidade?
Sabedoria é saber saber.
É saber sem sequer se soltar do
Simples, do
Santo, do
Sano.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Vento virado

Largue de tudo, vire o vento
Se a contento você  não chegar
Pare o mundo, vá sem seu lenço
Se o incenso não mais perfumar

Tenha coragem, parta em viagem
Se a paragem não mais agradar
Mexa na vida, há tempo esquecida
E se levante da mesa do bar

Se der vertigem, não tenha orgulho
Volte à origem, reaprenda a andar
Abra caminhos, limpe o entulho
Pinte os muros que o tempo pichar

Perca seu medo, mesmo sem rumo
Cão vagabundo também vai ladrar
Que da viagem todo o insumo
Felicidade que irá encontrar


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Falta

Um frio constante. Um frio que não vai abrandar. Tua alma fundiu-se à minha e levaste de mim minha própria metade. Levaste de mim meu cerne, meu eu. Eu meu que logo agora acabara de dar os últimos retoques. Mas desses retoques tu foste a cor perfeita da pintura. Tu és o que é genial na obra do grande mestre. É como se tu fosses a tinta e eu a tela. Tu o solista, eu a orquestra. Tu a cereja, eu o bolo. Eu o céu, tu o ocaso. És tudo de mais belo que em mim pode existir. E eu sou o palco onde tua arte se mostra. Sou eu a harmonia do teu improviso. Sou eu o esqueleto de teu belo corpo. O arroz do teu feijão. Do molho, o teu macarrão. Tu és minha pitada. O segredo que ninguém revela. O que me há de melhor. E que de melhor nunca deixará de me ser.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O que importa

Eu não ligo se é presidente ou presidenta. Se o reitor é magnânimo, ou se o juiz é excelente. Se o deputado é ilustríssimo. Também não estou muito preocupado se incomodo-me ou me incomodo. O que incomoda de verdade é o fato de muitas pessoas não preocuparem-se com o que é realmente importante em cada situação. Presidente ou presidenta, fomos nós que colocamos lá. O que importa é que saibamos cada vez melhor escolher quem ocupa o cargo; seja terminando com e ou com a.

Tratamento é tratamento. O que importa é o que está sendo tratado. Se vamos deixar as universidades serem estupradas por uma política irresponsável de expansão em que quantidade é incontáveis vezes mais importante que qualidade ao invés de crescermos e expandirmos de maneira responsável e não sobrecarregando ainda mais o profissional professor que já anda cantando mais que carro-de-boi. É isso o que importa. Não se o reitor é magnânimo, ilustre ou o que seja.

Língua e escrita são formas de comunicação. Não adianta nada nós exacerbamos nosso rebuscado maquinário linguístico sem pensarmos com afinco sobre aquilo o que estamos escrevendo ou difundindo em redes sociais. Tem muita gente aí brigando para que tiremos os tremas do u, mas continuam com vendas no olhos, tampões nos ouvidos e freios no cérebro. Gente que vê preconceito em todas as frases sem pensar que a aceitação das diferenças é o caminho da equidade. Gente que pensa que toda essa cultura do preconceito acabará se jogarmos as diferenças para debaixo do tapete, proibindo verbetes e demonizando discursos claros e inocentes. Gente que não muda de opinião, que pensa que discussão é futebol. Que não enxerga que em uma discussão honesta todos ganham. Gente que não abre a mente.

Preocupemo-nos com o importante, senhores, com o âmago, com o cerne! Quem pensa em detalhes demais esquece do conteúdo. E o que fazemos dessa maneira é comer latas de merda somente porque têm embalagens bonitas...


domingo, 21 de julho de 2013

Olhares

São os olhos as pequenas frestas pelas quais vejo teu coração. Um coração livre, pulsante, alegre, sincero e libidinoso. Cada rápido cruzar de olhares é uma aula, uma lição, uma palestra, um seminário. Nesses centésimos de segundo aprendo muito sobre o teu ser: teus anseios, teus medos, teus princípios, teus amores, teus rancores. Os mais variados questionamentos assaltam-me a mente e o peito. As pernas não respondem. Um misto de frio e vazio chegam à barriga e expandem seus domínios. É muita informação para meu corpo suportar. Há muito o que se processar. Há muito o que dizer. É como se toda a verdade do mundo estivesse ali na minha frente e eu tivesse somente esses centésimos de segundo para absorver. Daí vem todo esse desespero. Daí vem todo esse curto-circuito de sensações que ao mesmo tempo doem e dão prazer. Será que também te sentes assim? Isso é coisa que teu coração não me diz. Isso é coisa importante que eu busco sempre em meio a esse turbilhão de sentidos. Acontece que quando estou quase lá, quando estou quase a ponto de desvendar esse mistério nossos olhares se descruzam. Terminou a aula, acabou o seminário. As pernas respondem e a barriga se enche e se aquece novamente. Está fechado o livro da verdade. O jeito é esperar pela próxima aula. Que não tem hora nem data marcada, mas que sempre anseio por acontecer.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Pequeno conto sobre realidade

Maurício é filho de Pedro, que é gerente de banco numa cidade de médio porte no interior de São Paulo. Pedro formou-se em Direito, mas graças a sua família bem relacionada, viu no ramo bancário uma melhor maneira de conseguir uma vida de maior conforto para ele mesmo e para a sua família. Maísa é esposa de Pedro e é formada em Belas Artes. O que mais gosta de fazer é pintar quadros e tocar piano, o que não faz profissionalmente porque não acredita ser necessário. Há tempos preferiu desligar-se do ramo profissional  para melhor cuidar, educar e inserir Maurício no meio cultural, o que foi meio falho, na verdade, sendo que ele sempre foi aficionado por esportes e achava todas aquelas aulas de música e pintura uma verdadeira frescura.

Maurício toda vida estudou em um colégio de padres nessa mesma cidade de médio porte do interior de São Paulo. A mensalidade era bem alta, mas Pedro e Maísa acharam que valia a pena pagar por esse preço sendo que desde épocas mais antigas já eram oferecidas nesse colégio aulas de computação, inglês, espanhol e francês. Isso sem falar das quadras de tênis, futebol, vôlei e a piscina olímpica dentro das instalações da escola. Todas elas com profissionais disponíveis a atenderem os alunos das 8:00 às 19:00, todos os dias e mesmo em época de férias. Vários cursos eram oferecidos ao longo do ano e várias competições também eram organizadas. Maurício coleciona inúmeras medalhas desde de 1995, conquistando a primeira com 5 anos. Talvez esse seu espírito competitivo tenha o levado para o lado do esporte, para um certo desgosto da mãe.

Pedro e Maísa fazem parte de um clube existente nessa cidade. O título para a aceitação nessa sociedade tem um valor bem alto, mas, como eles mesmos dizem, "Pessoas bem relacionadas socialmente têm a possibilidade maior de receber ajuda em um momento de crise. Isso é muito bom para o futuro do nosso filho."

Maurício agora tem 23 anos e cursa o terceiro período de Engenharia depois de ter feito 6 períodos de Direito para agradar o pai, que nunca o forçou a isso, e ver que na verdade não era aquela carreira que gostaria de seguir. "Cada um tem que seguir a carreira para a qual tem vocação e gosto", diz o pai.

***

Robson nasceu na favela dessa mesma cidade de porte médio do interior de São Paulo no ano de 1998. É filho de Madalena que é costureira desde mais nova. Madalena tem quarta série do primário, sendo que teve que parar de estudar para ajudar os pais numa fazenda pequena, em uma cidade pobre, também do interior de São Paulo. Seus pais eram empregados dessa fazenda e moravam numa casinha que fazia parte da propriedade da mesma. Como a vida rural era muito difícil, Madalena resolveu se mudar para a cidade de médio porte e, com as economias que tinha depois da morte dos pais, comprou uma máquina e instalou-se no morro onde ainda reside, que era muito diferente do que é hoje em dia na época em que mudou-se para lá. 

Madalena conheceu João, um servente de pedreiro que morava próximo ao seu casebre nesse mesmo morro. "Apaixonei-me por ele porque mesmo com a vida difícil que levava ele sempre mantinha-se um homem honesto", diz. Quando Robson tinha 9 anos de idade, ele estudava em uma escola pública nessa mesma cidade de médio porte do interior de São Paulo e Madalena conta até hoje que ele adorava estudar. Nesse mesmo ano João fora morto em um tiroteio entre gangues que há uns três anos haviam começado a dominar o morro. Diante de tais dificuldades, Robson teve que parar de estudar e começou a trabalhar como ajudante em um armazém na entrada no morro como forma de ajudar as despesas de casa, que contava com mais duas crianças, Reinaldo, na época com 5 anos e Priscila, com 3 anos. Quatro anos depois Madalena adoeceu. Sua consulta pelo SUS demorou cerca de 5 meses para ser realizada, e ela desgastou-se muito continuando a trabalhar, mesmo sem condições para isso. Seu rendimento de trabalho caiu muito nessa situação, o que fez com que Robson se endividasse consideravelmente com o dono do armazém para dar conta das despesas de casa. 

Quando há remédio na farmácia do posto de saúde da favela Madalena sente-se melhor e volta a trabalhar em um ritmo bom, mas é bem corriqueira a escassez desses medicamentos, o que até hoje faz com que a produção de Madalena caia e Robson aumente sua dívida com o dono do armazém. Há cerca de um mês, Seu Adonias, que é o dono do armazém, ameaçou Robson de que se ele não quitasse sua dívida seria mandado embora pois "Do jeito que as coisas estavam indo iria morrer como credor de uma pequena fortuna emprestada a Robson", coisa que não queria.

Robson hoje conta 15 anos de idade.

***

Anteontem uma pequena coincidência aconteceu. Enquanto voltava da casa da namorada, Robson teve o pequeno azar de trombar com Maurício e seus amigos próximo a entrada do morro. Não sabe-se muito bem ao certo o que estavam eles a fazer por lá, mas, sem muitos motivos, começaram a caçoar de Robson. Este, que já estava de cabeça quente pelos problemas domiciliares e pela pequena briga com a namorada  (causada também pela falta de dinheiro), partiu para cima da trupe. Obviamente levou sérias pancadas nessa empreitada, mas em meio a briga, viu a oportunidade de levar a carteira de um de seus agressores sem que este percebesse. Tinha visto algo de até muito bom nisso, pois a carteira contava com R$ 530,00, que era mais da metade de seu salário e que faria com que conseguisse pagar uma parte da dívida a Seu Adonias, aliviando a pressão da demissão.

Logicamente quando Maurício e seus amigos chegaram em casa deram falta da carteira, acionaram a polícia e foram atrás de Robson. Foram todos levados à delegacia e todos contaram suas versões. A surra aplicada por Maurício e seus colegas foi estranhamente ignorada pelo delegado, sendo que na hora do depoimento de Robson, senhor Pedro, doutor das leis por mais que não praticasse o ofício, havia acabado de chegar ao local sob chamado do filho. Maurício e sua trupe foram imediatamente liberados. 

O porém era que o delegado já conhecia Robson. É que uma vez estava acompanhado de seus amigos do morro e todos foram abordados pela polícia. Robson levava uma vida muito dura, mas sempre dentro das leis. Já seus amigos não eram bem assim. Foram pegos com alguns papelotes de cocaína e algumas buchas de maconha que iriam levar até ao Centro para alguns clientes, e todos, incluindo Robson, foram levados pela polícia. Depois de algum tempo forma liberados. "Não sei como o Robson mantém essa vida dura de trabalho pesado e pouco dinheiro. Eu não teria força para isso", conta um de seus amigos.

 Robson até agora aguarda que as autoridades tomem providências cabíveis ao menor infrator, e ainda, por mais preocupado que esteja, agradece a Deus que ainda seja um menor e que não tenha que ficar na cadeia por dois ou três anos. "O que seria da mãe e dos meninos sem mim?", pensa.

Incauto

Um soco no escuro
O vento como alvo
Até hoje não me seguro
Até hoje digiro asfalto

Já sou grande para pensar no tempo
Como grande sanador dos incautos
Como incauto procuro um assento
Onde fique assim sem relatos

Mas como sanar sina que não é doença?
Como tornar certo o que não é errado?
Como matar a fome dos saciados?
Como salvar já amados com acalentos?

É como beijar a boca de já casados
Como subornar os já muito bem pagos
Trazer religiosos astutos para outros magos
Ensinar a proferir decrépitos arautos

Já cansei de lançar a esmo
De pagar bem mais do que o preço
Já cansei desse mais do mesmo
E da lógica? Ah! da lógica!
Quando feliz, dessa eu me esqueço!

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Vontades

Depois de um bom tempo volto aqui a dizer a vocês coisas da vida. Não penso que são coisas completamente erradas, muito menos tenho a pretensão de que sejam corretas. Há a simples vontade de sobre essas coisas discorrer. E discorro somente quando há essa vontade. Textos sem vontade são forçados, vazios. É muito mais produto a ser vendido do que arte a ser apreciada. É muito mais feira do que livro.

Mas daí surge uma questão: de onde vem a vontade? Digo que essa vontade vem de outras vontades. Vontade de um alguém, de um onde ou de um quando. Vemos em largas escalas textos de amor, de nostalgia e de saudade. Todos provenientes dessas vontades. Claro que existem outras: a vontade de justiça e de igualdade. Vontade de paz e até de diversão, também. O que importa é querer.

O contentamento nunca é uma boa fonte de inspiração. É meio triste e ácido dizer isso, mas contentamento e marasmo têm muitas semelhanças. E marasmo é férias do coração. É quando não temos aquela pontadinha no peito e nem aquele frio na barriga. É quando as pernas não tremem. É quando o cérebro assume de vez o controle e, sinceramente, o cérebro é um péssimo artista. O cérebro nunca atinge e nem abala. Cérebro não faz arrepiar. Cérebro convence. Convencer pode até ser interessante para termos práticos, mas não é nada comparado ao invadir. Invadir intimidades mais remotas de um ser. E essa invasão se dá de uma maneira muito bela. Invadir é traduzir em si mesmo o sentimento alheio. Um sentimento quase sempre muito bem escondido. Um sentimento que esse ser faz questão e esforços para nunca revelar. Invadir é isso: é fazer-se de estandarte, gravar em si mesmo o brasão de outra família e hastear-se aos sete ventos, sem vergonha, sem censura. Só assim tocamos o alheio. Só assim fazemos sentir.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Carta ao passado

Se queres saber, ainda me lembro de ti. Tamanha é a hipocrisia das pessoas que dizem ter se esquecido. E qual é o problema com a lembrança? Lembrança remete a passado, e passado é o que nós nos tornamos. Houve coisas boas, houve coisas ruins e houve infortúnios do acaso. Aconteceu que as coisas ruins e os infortúnios prevaleceram. Aconteceu que a nossa sorte não foi assim tão generosa.

Queres saber sobre mágoa, rancor e desilusão. Entendo tua curiosidade. Saibas que guardei-os por muito, muito tempo. Eram peças raras para mim em minha coleção de sentimentos. Eram únicos! Lustrava-os todos os dias ao acordar. Por vezes passava o dia inteiro só contemplando-os e dormia pensando em como estariam pela manhã. Mas o tempo foi passando e por fim enjoei. Vi que não valiam tanto assim e que eram um peso extra, um empecilho à minha vontade de voar. E voar é tão bom! Ao contrário do que se imagina, é preciso ser bem grande para voar. Eu cresci. É certo que estou dando ainda meus primeiros rasantes. Ainda perco um pouco o controle nas turbulências... Mas ficarei maior! Com certeza ficarei maior e um dia conseguirei pairar; pairar por anos! Por toda eternidade! Espero muito que estejas também conseguindo voar.

Eu mudei bastante. Imagino que tu tenhas mudado também. Se formos parar para pensar, nós não nos conhecemos mais. Somos dois estranhos conectados pelo passado. Duas almas ligadas, depois de tanto tempo, nem se sabe o porquê. Exilados de uma mesma pátria para lugares muito distantes e completamente distintos. Por isso eu não vejo sentido em negar que me lembro de ti. E é por isso que desejo, na mais pura das verdades, um dia ainda te encontrar. E espero que seja bem alto, leve, pairando também pelos ares.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Rio

"Já que és Oceano, serei Rio.
Percorrerei meus cursos, mudarei meus rumos.
E serei perene,
Calmo ou revolto, ambundante ou por um fio
Sujo ou cristalino...
Assim serei.
Me perderei, me encontrarei
Me despencarei e me erguirei
E mesmo assim continuarei...
Desviarei de obstáculo, e quando não conseguir
Defrontarei, sem medo
Vencerei, e seguirei.
E ao chegar perto
Me transformarei em rio de amor,
De ternura e aconchego
De afago e alento...
E ao encontrarmos, e sorrirmos,
Sentirei paz.
E viverei.
E morrerei.
Envolto de Oceano."

Lílian de Castro Moreira

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Oceano

Oceano serei sempre para ti. Oceano de água doce; pura e límpida! Oceano de amor e bondade. Oceano de paz e calmaria. Oceano de carinho e compreensão. Oceano de zelo. Oceano de nada, se só quiseres estar. Oceano de lágrimas, se de mim te afastares. Oceano de ódio contra os que vão contra ti. Oceano de horror, se desse mundo partires. Oceano de humor para te divertir. Oceano de risos quando quiseres divertir-me. Oceano de céu quando estrelas procurarem os teus olhos. Oceano de chuva em tuas épocas de seca. Oceano de sol em teus dias nublados.

Oceano serei, sempre serei para ti! Para que assim toda e qualquer sede tua eu consiga sempre aplacar.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Paixões

Apaixono-me sim. E com grande voracidade. Às vezes penso que não sei me apaixonar, mas, pensando bem, quem foi que ditou as regras da paixão? Apaixono-me por cheiros, por gostos e por cores. Apaixono-me ainda mais pelos sons. Apaixono-me pelas letras e por únicas e sublimes concatenações que gênios delas fazem.

Apaixono-me por pessoas também. Apaixono-me por gestos e palavras (principalmente pelas entonações com as quais elas são proferidas). Apaixono-me por ti, por ela, por ele. Apaixono-me também por nós, porque, tratando-se de pessoas, o todo é sempre maior que a soma das partes.

Mas o problema da paixão é a confusão que ela traz. Paixão que eu sinto, eu sinto igual. Se apaixono-me por ti, posso ter me apaixonado pela tua cor, pelo teu cheiro ou pelo teu timbre de voz. Posso ter me apaixonado pelo teu jeito meigo de ser ou (coisa mais engraçada) pela tua severidade. Posso ter me apaixonado pela tua entonação ou pelas coisas que tu escreves. Até mesmo por o que lês ou escutas. Por o que vês e sentes prazer.

Apaixono-me. E apaixono-me de verdade, mesmo sem saber o porquê ou sem ter um para quê. Desisti de procurar ou tentar explicar o motivo. Porque se existe a paixão ela é causa e ao mesmo tempo consequência. Ela é condenado e carrasco. Ela é mártir e opressor. Ela existe. E só.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Gente de vez

Gosto de gente como eu gosto de frutas: gosto de gente de vez. Tem gente verde demais e tem gente madura demais. Não sou muito chegado a essas gentes, não... Gente verde demais é muito dura. Dá trabalho demais de tirar do pé e só fala coisas adstringentes. Gente verde demais é pequena e tem pouco suco para oferecer; gente verde demais suga muito dos outros para crescer e custa muito para adoçar. Gente verde demais não tem a capacidade de gerar nada para a vida e menos ainda de ajudar a sustentar as vidas de outras gentes.

Gente madura demais também não acho assim grande coisa. Quando não é doce demais que chega a irritar, está podre ou com bicho. É a falta de cuidado com o tempo é que implanta bichos e podridão nas gentes maduras demais. E quando isso acontece, não tem jeito; fica muito difícil de aproveitar. Gente madura demais é muito sensível e amassa por qualquer coisinha. Isso porque tem consigo toda a convicção que traz a passagem do tempo. E gente de convicção sempre cai do pé com maior facilidade. E quando isso acontece elas podem até rachar.

Por isso é que eu gosto mesmo é das gentes de vez! Gente de vez sempre está no ponto. É doce o necessário, mas sempre deixa aquele gostinho azedo do desafio da conquista. Não é dura, nem macia demais. Dá um certo trabalhinho de se degustar, mas o sabor é sem igual! Gente de vez já conhece bem das coisas da vida, mas ainda se dispõe a trocar experiências sem a prepotência temporal das maduras demais. Gente de vez tem o sumo cheiroso e é mais sedutora que as outras. Gente de vez balança ao vento sem o medo de cair. Não porque ache que nunca cairá, mas porque sabe que se cair sempre poderá ser aproveitada. Gente de vez tem vontade, garra e alegria! É claro que sempre encontramos outras gentes fenomenais, como as gentes uvas-passas e as gentes maçãs-verdes. Mas cá para nós, eu acho as goiabas de vez bem mais sensacionais!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Ah, esse moleque...

A vida às vezes nos aborda com uma série de fatos estranhamente correlacionados os quais não conseguimos entender. Uma série de coincidências improváveis que fazem até o mais inveterado dos céticos questionar-se, ao menos que seja por um ínfimo intervalo de tempo, a respeito de algum comando celestial para as coisas terrenas. Se são boas, nos sentimos protegidos; abençoados pela suposta presença de um anjo da guarda das probabilidades, que nesse momento está ali, viciando em prol da sua felicidade os dados da sua vida. Se são ruins... uma revolta nos assalta e nos portamos feito loucos; feito o Mel Gibson em sua teoria da conspiração. Tudo e todos contra nós. Pensamos o mundo um imenso cassino onde ganhar é impossível. Onde a roleta nunca está do nosso lado.

Mas o que vejo mais interessante são as coincidências inertes. Coincidências que não nos afetam diretamente; nem para bem, nem para mal. Disse diretamente porque essas coincidências acabam por nos atingir. Acabam por fazer sentir-nos cobaias, experimentos não muito bem planejados. Brinquedos. E o fato de atuarmos como brinquedos, faz a vida ser o moleque curioso. Aquele moleque que cutuca, que desmonta, que vira e revira. O moleque que queima a formiga com lente e joga sal na pele do sapo. Que coleciona bolinha de gude, que brinca de bem-me-quer e customiza o próprio pião. E dentre todas essas brincadeiras aquela que o moleque mais gosta de brincar é de pipa. Ora deixa o vento nos levar, ora dá guinadas. Às vezes nos levanta bem alto, tão alto que pensamos nunca mais podermos cair. Mas sempre aparece uma linha com cerol que nos ceifa, nos poda do nosso guia e entramos num turbilhão. Caímos bem longe no meio do mato, de onde tudo o que podemos fazer é esperar nosso moleque nos encontrar. E recomeçar, exaustivamente, toda a brincadeira.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Repaginada

À       C         
S       A
         N
V       S       D
E       A       O       convencional.
Z       M
E       O
S       S

sábado, 19 de janeiro de 2013

Saudade

Saudade é um sentimento complicado. É muito mais que "sentir falta". E é diferente de nostalgia. Eu diria que o sentir falta é relembrar um lugar. É querer novamente algo que já não está ao alcance das mãos. Um sentimento baseado em espaço e em coisas materiais. Nostalgia, pelo contrário, é baseada no tempo. É querer viver novamente (ou ser saudosista a) uma época que não retornará. É relembrar velhas músicas, velhos costumes. É querer recuperar a inocência há muito tempo perdida.

Saudade é misto de tudo isso. Um sentimento nobre? Com certeza. Mas também bastante egoísta. Quando sentimos saudades não sentimos falta somente de uma coisa ou de uma época; sentimos falta do que essa coisa representava para nós em determinada época. Quando sentimos saudade, sentimos falta do que sentíamos por algo, e não a falta do algo em si.

Matar a saudade é resgatar esses sentimentos. É quando novamente experimentamos um sentimento antigo por alguma coisa. É observar novamente uma bela paisagem não visitada há anos, e que, por mais mudada que esteja, traz a mesma sensação de paz. É jogar o antigo jogo da infância e ter o mesmo sentimento de raiva ao perder 7 vidas no mesmo chefão que na infância também dava muito trabalho! É rir (de verdade!) das mesmas piadas e brincar das mesmas bobeiras com um amigo de muitos anos.

Mas a saudade também traz seus problemas... A saudade em muitos casos traz a decepção. Isso acontece quando não experimentamos o mesmo sentimento de antes. É quando a velha bela paisagem não transmite a mesma paz. É quando o jogo antigo parece imbecil. É quando o seu velho amigo já acha suas piadas e brincadeiras um tanto quanto idiotas e que vocês "estão velhos demais para isso". Daí vem a revolta e as críticas. Daí vem a não aceitação. Mas devemos pensar em uma coisa: tudo e todos podemos mudar. É claro que não estamos habituados a aceitar essas mudanças, mas fazer o quê? Essa revolta você deve voltá-la a si mesmo, pois é você que sente diferente agora. E sente muito por isso.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Armadura

Criamos todos nossas defesas. Empunhamos todos nossas armas. Mas quem acaricia com manoplas e espada, abraça com couraça ou beija com um elmo? Para amar é absolutamente necessário privar-se das defesas. Quando amamos, inconscientemente nos despimos. E quando nos despimos os menores movimentos nos machucam. As palavras mais tranquilas nos alvejam. E se é esse um falso amor, imediatamente vestimos novamente nossa couraça, nossas luvas, nosso elmo e empunhamos novamente nossa espada. Mas um amor verdadeiro revela-se em cicatrizes. Um amor verdadeiro as coleciona. Guarda cada uma delas como uma vitória e faz questão de se manter indefensável. Porque por defesa pressupõe-se distância. E com distância nunca há de se manter um amor. Passamos a prezar por nossas cicatrizes e mensuramos por elas nosso amor. Medimos esse amor por quantas cicatrizes podemos suportar. Todos nós temos amores de cinco, sete, quinze cicatrizes. Mas quando se ama de verdade os números não importam. Tampouco as profundidades das feridas. Feliz é o que tem seu peito aberto, suas mãos nuas e seus lábios expostos para alguém. E que, para esse alguém, jamais abrirá mão de mantê-los assim.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Envelhecer

Ninguém nasce forte. É necessário ter sido fraco para ser forte um dia.
Ninguém nasce sábio. É necessário ter sido tolo para ser sábio um dia.
Ninguém nasce bom. É necessário machucar pessoas para ser bom um dia.

Envelhecer para mim não pode ser algo menor que uma virtude. Envelhecer é uma arte. Envelhecer torna-nos arte. Muitos abominam o envelhecimento. Sinceramente eu não os compreendo. Na verdade os compreendo um pouco: são pessoas que não gostam de arte. Só que eu também não compreendo os que não gostam de arte. Só mudamos o foco; a questão continua em aberto.

Eu sempre gosto das melhores partes (e quem não?). E as melhores partes estão quase sempre próximas do fim. Abominar o envelhecimento é abominar o último gole da coca-cola, o último pedaço de bolo ou a última tragada do cigarro. É não chorar com a partida do Pequeno Príncipe, é não revoltar-se com a indistinguibilidade de porcos e homens na Revolução dos Bichos ou com as difíceis Vidas Secas. É não chorar com os beijos do Cinema Paradiso, não sorrir com a volta d'O Palhaço ou não revoltar-se com o fim do criador d'A Corrente do Bem.

E o mais belo de envelhecer é que é a única coisa que continuamos fazendo até o último segundo de nossas vidas:

Nunca seremos tão fortes que não possamos nos tornar mais fortes.
Nunca seremos tão sábios que não possamos nos tornar mais sábios.
Nunca seremos tão bons que não possamos nos tornar melhores.

Envelhecer: a arte das artes.