quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Arisco

o medo de se causar uma ofensa
traz, até, certa recompensa
mas para uma relação deveras intensa
ar(r)iscar é essencial

Social

as operárias não conhecem a rainha
os soldados não conhecem o general
os vassalos não conhecem o suserano
e nenhum de vocês, crentes, conhecem Deus

assim sendo
sou instrumento
de lealdade
para com a sociedade
justamente por ser só
e também não só
por estar imerso
assim

Encontro

tornou-se acidez o que ontem foi doçura
tornou-se sépia o que era candura
o que era vinho verteu-se em água

que lava as ruínas do castelo em pó
que leva os delírios e desfaz o nó
das entranhas distorcidas pelo etéreo

que deixou na boca um sabor acre
do gozo incontido de libido e vinagre
dos sons inerentes ao você-e-eu

e deste vinagre eu me tempero
curtido em lembrança ainda espero
que num milagre e revés do tempo
torne-se futuro a noite que se findou

Partilha

tudo a seu tempo
seu tempo é tudo
meu tempo é seu
meu, a seu tempo
tempo, seu e meu
meu e seu, tudo
meu tudo é seu

Quasi-soneto

por vezes eu queria fazer
para ti um pequeno soneto
mas fazê-lo assim não me meto
que soneto não sei escrever

vou tentando te agradecer
assim mesmo, singela existência
sem vergonha e sem experiência
eu espero deixar-te saber

que admiro-te mais do que muito
numa dimensão estratosférica
mesmo que sejas sempre fortuito

soneto não é, esse poema:
não que venha a faltar conteúdo,
mas só tem nove sílabas métricas

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Adoro seu cheiro de napalm pela manhã

meu coração é prisão que não quer abrir
enquanto você é rebelião que não acaba
você é fogo que sempre se alastra
pela capoeira do que há por vir

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Antagônicos

você é pragmático, eu sentimental
você é Ciência, eu sou Arte
você é Saturno, eu sou Marte
eu, et cetera, você é o tal

você é Rousseau, eu Stanislaw
você é ciente, eu, maluco
é digital, eu sou cuco
você é de ferro, eu, de pau

eu sou planta, você, animal
você, predador, eu sou presa
você é ataque, eu, defesa
eu sou mocinho, você é do mal

eu sou da roça, você, capital
eu sou de leite, você é de corte
eu, curandeiro, você é a Morte
você é boldo, eu, sonrisal

você se levanta, eu passo mal
você é Marlboro, eu, de palha
você é de linho, eu, de malha
você é smoking, eu, avental

eu sou Brasil, você, Portugal
você é gigante, eu, pigmeu
eu, Geraldinho, você, Alceu
você, couraçado, eu sou a nau

você é dos mares, eu, fluvial
eu sou o arco, você, a seta
antagonismo que me completa:
eu sou Juçara, você é Marçal

domingo, 17 de julho de 2016

(pseudo) Amores

As suas cabeças ainda repousam sobre o travesseiro da minha imaginação. Ainda escuto o pulsar dos seus corações com a minha libido. Ainda observo seus corpos nus no espelho da minha alma. Ainda tomamos, todos, as taças vinho ao som de um jazz antigo dos anos 50 enquanto fumamos, todos, nossos cigarros.
Amores, pseudo-amores, frutos de minha criatividade infatil e de minha paixão ancestral, e nascidos na solidão pura e irremediável que escolhi para mim. Vocês vivem em mim, são partes de mim; participaram no que hoje sou. E, me amando como eu me amo, um amor intrínsico, inato e absurdamente real, tomo a liberdade de abandonar o prefixo e chamá-los por o que de fato são: meus amores.

sábado, 16 de julho de 2016

Utopias

Utópicos ou não, todo ser humano necessita de uma utopia para viver. Um motivo; um desafio que o faça prosseguir. Algo que julga impossível de atingir, mas que o motiva a tentar quebrar o impossível.
Para que possa parecer heroi.
Para que possa parecer sobre-humano.
O possível é chato. O possível é possível.
Queremos ultrapassar os limites.
Queremos descobrir.
Queremos desbravar.
Queremos - todos - ser os deuses do nosso novo mundo.
Queremos - todos - criar o nosso mundo.

Esse é o motivo da vida: a busca pelo (quiçá) inalcançável.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Segredo

quero contar-te um segredo vem cá, não tenhas medo daqueles de banho gelado no inverno vou te ensinar, serei paterno para que andes também no inferno sem jamais te titubear eu quero ver-te bailar ao ar em dia claro e sem o nevar de uma vida reprimida e só eu quero que espalhes dos móveis o pó que tires de vez da garganta o nó e olhes somente para ti e teu futuro saibas que não é assim tão duro é meio como caminhar no escuro: de tanto breu a vista acostuma é como luz baixa em meio à bruma não há felicidade que não se assuma e que, assumida, não te mostres o trilhar!

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Substantivos

adorar é dor
venerar: veneno
amar? é mar!

quarta-feira, 9 de março de 2016

A um certo Gustavo

Amigo, meu amigo... prepotência chamá-lo amigo: muitos anos que não nos vemos. O fato é que não nos conhecemos mais. Mas acredito piamente que as essências permanecem. E sempre me agradei muito de sua essência.

Os carros passam, as folhas ressecam, mas as flores renascem. Digo isso não levianamente: passei por outonos eternos (enquanto duraram).

Os outonos passam. E assim como eu - que há anos não o vejo - estou certo de sua vivacidade e beleza, certo estou também de que muita flores ao seu redor sentem - e adoram - sua fragrância reprimida; adormecida.

Tudo passa - desacreditava eu em meio ao meu (último) outono (e o) mais tenebroso.

Isto hoje para mim é certeza. E tenho certeza que para você também o será. Mas... curta seu outono. Curta da maneira mais rasteira e funesta que você puder. Porque a ressequidão das folhas hão de passar, mas ainda temos de reconhecer sua beleza.

Um grande abraço de um projeto de amigo.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Faltas

falta é ler o nome com o coração
ver as fotos com a alma
e sentir no tato a ausência

falta é duvidar da própria existência
sentir o gosto das risadas passadas
e no frio do estômago relembrar as conversas

falta é se sentir vazio
como se a luz de sete mil sóis
iluminassem somente o espaço não preenchido

falta é se achar caído
é ouvir a música do seu caminhar
como se jamais se tivesse ido

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Dúvidas

Por que me chamas
Se o vento em teus cabelos
Não provém do meu peito em chamas?

Por que me acenas
Se as pulseiras em teu pulso
Não roçam em minhas pernas?

Por que me abraças
Se teus braços em forma de arco
Não me acolhem em teu coração?

Por que me ris
Se teus lindos dentes brancos
Não é minha língua que vai desbravar?

Por que me sonhas
Se teus sonhos mais obscenos
Não sou eu a protagonizar?

Por que me tocas
Se a libido que vem de teu ventre
Não é minha pele a receptar?

Por que me ouves
Se os arrepios de sussurros gemidos
Não é minha voz que vai te causar?

Por que não me aceitas
Se à noite quando te deitas
Embalo teus sonhos com meu sonhar?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Metamorfose

O asfalto ralando o coração pelo caminho
Em meio a pedaços e vinho
Exala-se o aroma da felicidade que se finda

Finda está a festa
Atesta o meu entorno:
Contorno de alma vil,
Febril eloquência insipiente

Findo está o verão
Serão dias nublados
Destilados por sobre a mesa:
Acesa há de manter-se a chama

Que trôpega e indolente
Assente que sua loucura
Perdura como um casulo
Chulo sem desabrochar

Revolve em meio ao breu
Ateu que não acredita
"Bendita seja a loucura!"
Procura um grito errante saída

E em venerável instante
Vagante grupo da lenda
Atenta ao casulo quadrado
O alado grupo das fênix

A loucura se faz livre
Exibe suas asas belas
Telas de acidez e fumaça
Escassas em qualquer trela

Então a loucura brilha
Empilha seus bons vinis
Gris não é mais o dia
A loucura agora é feliz

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Chama

tô indo ali
qualquer coisa me ama

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O fio da vida

Acaba sendo engraçado a forma com que as pessoas complicam suas vidas. Encontram-se emboladas num emaranhado aparentemente muito intrincado, mas que, com dois ou três puxões de fio são facilmente desfeitos. O que acontece é que justamente por estarem dentro deste ninho, não conseguem perceber a situação como um todo, e tampouco se esforçam para tal. Três puxões de fio e a vida retoma a linearidade gostosa e despreocupada da infância, que jamais deveria ter sido perdida.

Acaba sendo desesperadamente tentador querermos meter as mãos nos biofios alheios e desemaranharmo-lhes os problemas, tentação esta proveniente de um egoísmo mais que infantil, um egoísmo quase instintivo. Queremos nos tornar herois de nosso mundo, sem perceber que herois não têm lugar nem serventia em um mundo são. Queremos nos mostrar os alfas, conquanto alfas não possam existir numa real comunidade. Assim, em vez de criarmos um ambiente ao nosso redor em que - justamente por uma respeitosa omissão - ajudamos as pessoas a se tornarem seus próprios herois (destituindo, assim, qualquer um de tamanha importância), os alimentamos os demônios e soltamos os leões, para que os exorcisemos e para que coloquemos mais uma vez as feras em suas jaulas.

Dessa forma acreditamos em nossa própria importância ante nossos semelhantes. Mas que não nos enganemos: estamos sempre reinventando a roda ao resolver problemas que ajudamos a criar. Podemos enganar aos menos atentos; àqueles que não enxergam de fora do emaranhado. Mas a insatisfação sempre morará em nossos corações enquanto exista sempre alguém que nunca poderemos enganar completamente: a nós mesmos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Invulnerável

Saudades de que me virem a cabeça
Que me façam mudar de ideia
Que tirem a poeira e que pereça
O antigo que levo na boleia

Saudades de que me abra a ferida
Que em vez de rosa, seja espinho
Que me rasgue o peito e deixe caída
A alma que levo em meu caminho

Saudades de que me incomodem meu sono
E que me aborreçam o ego
Que me descubram como funciono
E que arranquem do quilhão o prego

Saudades de que me batam pra valer
De alguém que me desate o linho
Porque aqueles que me tentam bater
Só conseguem me fazer carinho!

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Semente de amor

Tenho um amor encubado, um amor-semente há mais de década esperando para brotar. Mas... Lá sei eu cuidar de amor?! Amor dá bicho, pega fungo e pode fácil, fácil morrer de doença. Morre de frio, de excesso ou de falta d'água. Quando novo é uma gracinha! Mas é mais difícil de cuidar. Quando vai envelhecendo fica mais independente, mas nisso ora ou outra vai-se embora também. Eu já perdi um tanto e já deixei tantos outros morrerem. Acho que vou deixar esse em semente, mesmo. Dar fruto não vai, mas aí faço colar e penduro do lado do coração.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Rastejando

O veneno da cobra
Do escritor, a obra
O mote:
Do poeta, o bote!