quarta-feira, 8 de maio de 2013

Pequeno conto sobre realidade

Maurício é filho de Pedro, que é gerente de banco numa cidade de médio porte no interior de São Paulo. Pedro formou-se em Direito, mas graças a sua família bem relacionada, viu no ramo bancário uma melhor maneira de conseguir uma vida de maior conforto para ele mesmo e para a sua família. Maísa é esposa de Pedro e é formada em Belas Artes. O que mais gosta de fazer é pintar quadros e tocar piano, o que não faz profissionalmente porque não acredita ser necessário. Há tempos preferiu desligar-se do ramo profissional  para melhor cuidar, educar e inserir Maurício no meio cultural, o que foi meio falho, na verdade, sendo que ele sempre foi aficionado por esportes e achava todas aquelas aulas de música e pintura uma verdadeira frescura.

Maurício toda vida estudou em um colégio de padres nessa mesma cidade de médio porte do interior de São Paulo. A mensalidade era bem alta, mas Pedro e Maísa acharam que valia a pena pagar por esse preço sendo que desde épocas mais antigas já eram oferecidas nesse colégio aulas de computação, inglês, espanhol e francês. Isso sem falar das quadras de tênis, futebol, vôlei e a piscina olímpica dentro das instalações da escola. Todas elas com profissionais disponíveis a atenderem os alunos das 8:00 às 19:00, todos os dias e mesmo em época de férias. Vários cursos eram oferecidos ao longo do ano e várias competições também eram organizadas. Maurício coleciona inúmeras medalhas desde de 1995, conquistando a primeira com 5 anos. Talvez esse seu espírito competitivo tenha o levado para o lado do esporte, para um certo desgosto da mãe.

Pedro e Maísa fazem parte de um clube existente nessa cidade. O título para a aceitação nessa sociedade tem um valor bem alto, mas, como eles mesmos dizem, "Pessoas bem relacionadas socialmente têm a possibilidade maior de receber ajuda em um momento de crise. Isso é muito bom para o futuro do nosso filho."

Maurício agora tem 23 anos e cursa o terceiro período de Engenharia depois de ter feito 6 períodos de Direito para agradar o pai, que nunca o forçou a isso, e ver que na verdade não era aquela carreira que gostaria de seguir. "Cada um tem que seguir a carreira para a qual tem vocação e gosto", diz o pai.

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Robson nasceu na favela dessa mesma cidade de porte médio do interior de São Paulo no ano de 1998. É filho de Madalena que é costureira desde mais nova. Madalena tem quarta série do primário, sendo que teve que parar de estudar para ajudar os pais numa fazenda pequena, em uma cidade pobre, também do interior de São Paulo. Seus pais eram empregados dessa fazenda e moravam numa casinha que fazia parte da propriedade da mesma. Como a vida rural era muito difícil, Madalena resolveu se mudar para a cidade de médio porte e, com as economias que tinha depois da morte dos pais, comprou uma máquina e instalou-se no morro onde ainda reside, que era muito diferente do que é hoje em dia na época em que mudou-se para lá. 

Madalena conheceu João, um servente de pedreiro que morava próximo ao seu casebre nesse mesmo morro. "Apaixonei-me por ele porque mesmo com a vida difícil que levava ele sempre mantinha-se um homem honesto", diz. Quando Robson tinha 9 anos de idade, ele estudava em uma escola pública nessa mesma cidade de médio porte do interior de São Paulo e Madalena conta até hoje que ele adorava estudar. Nesse mesmo ano João fora morto em um tiroteio entre gangues que há uns três anos haviam começado a dominar o morro. Diante de tais dificuldades, Robson teve que parar de estudar e começou a trabalhar como ajudante em um armazém na entrada no morro como forma de ajudar as despesas de casa, que contava com mais duas crianças, Reinaldo, na época com 5 anos e Priscila, com 3 anos. Quatro anos depois Madalena adoeceu. Sua consulta pelo SUS demorou cerca de 5 meses para ser realizada, e ela desgastou-se muito continuando a trabalhar, mesmo sem condições para isso. Seu rendimento de trabalho caiu muito nessa situação, o que fez com que Robson se endividasse consideravelmente com o dono do armazém para dar conta das despesas de casa. 

Quando há remédio na farmácia do posto de saúde da favela Madalena sente-se melhor e volta a trabalhar em um ritmo bom, mas é bem corriqueira a escassez desses medicamentos, o que até hoje faz com que a produção de Madalena caia e Robson aumente sua dívida com o dono do armazém. Há cerca de um mês, Seu Adonias, que é o dono do armazém, ameaçou Robson de que se ele não quitasse sua dívida seria mandado embora pois "Do jeito que as coisas estavam indo iria morrer como credor de uma pequena fortuna emprestada a Robson", coisa que não queria.

Robson hoje conta 15 anos de idade.

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Anteontem uma pequena coincidência aconteceu. Enquanto voltava da casa da namorada, Robson teve o pequeno azar de trombar com Maurício e seus amigos próximo a entrada do morro. Não sabe-se muito bem ao certo o que estavam eles a fazer por lá, mas, sem muitos motivos, começaram a caçoar de Robson. Este, que já estava de cabeça quente pelos problemas domiciliares e pela pequena briga com a namorada  (causada também pela falta de dinheiro), partiu para cima da trupe. Obviamente levou sérias pancadas nessa empreitada, mas em meio a briga, viu a oportunidade de levar a carteira de um de seus agressores sem que este percebesse. Tinha visto algo de até muito bom nisso, pois a carteira contava com R$ 530,00, que era mais da metade de seu salário e que faria com que conseguisse pagar uma parte da dívida a Seu Adonias, aliviando a pressão da demissão.

Logicamente quando Maurício e seus amigos chegaram em casa deram falta da carteira, acionaram a polícia e foram atrás de Robson. Foram todos levados à delegacia e todos contaram suas versões. A surra aplicada por Maurício e seus colegas foi estranhamente ignorada pelo delegado, sendo que na hora do depoimento de Robson, senhor Pedro, doutor das leis por mais que não praticasse o ofício, havia acabado de chegar ao local sob chamado do filho. Maurício e sua trupe foram imediatamente liberados. 

O porém era que o delegado já conhecia Robson. É que uma vez estava acompanhado de seus amigos do morro e todos foram abordados pela polícia. Robson levava uma vida muito dura, mas sempre dentro das leis. Já seus amigos não eram bem assim. Foram pegos com alguns papelotes de cocaína e algumas buchas de maconha que iriam levar até ao Centro para alguns clientes, e todos, incluindo Robson, foram levados pela polícia. Depois de algum tempo forma liberados. "Não sei como o Robson mantém essa vida dura de trabalho pesado e pouco dinheiro. Eu não teria força para isso", conta um de seus amigos.

 Robson até agora aguarda que as autoridades tomem providências cabíveis ao menor infrator, e ainda, por mais preocupado que esteja, agradece a Deus que ainda seja um menor e que não tenha que ficar na cadeia por dois ou três anos. "O que seria da mãe e dos meninos sem mim?", pensa.

Incauto

Um soco no escuro
O vento como alvo
Até hoje não me seguro
Até hoje digiro asfalto

Já sou grande para pensar no tempo
Como grande sanador dos incautos
Como incauto procuro um assento
Onde fique assim sem relatos

Mas como sanar sina que não é doença?
Como tornar certo o que não é errado?
Como matar a fome dos saciados?
Como salvar já amados com acalentos?

É como beijar a boca de já casados
Como subornar os já muito bem pagos
Trazer religiosos astutos para outros magos
Ensinar a proferir decrépitos arautos

Já cansei de lançar a esmo
De pagar bem mais do que o preço
Já cansei desse mais do mesmo
E da lógica? Ah! da lógica!
Quando feliz, dessa eu me esqueço!