terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Mitologando

Criei asas e alcei voo sobre o tempo.
Com minhas garras desconstruí probabilidades
E sob baforadas do fogo
De minha imaginação e libido
Forjei um futuro maravilhosamente fantasioso
Completando-nos no antagonismo
Do alvo e do breu
Onde suas garras se prendiam em minhas escamas
Suas presas se afundavam em minha jugular
Onde o rajado de seu pelo fustigava em meus olhos negros
Segregados por terra e por oceanos
Unidos pela lenda e pelo destino
O tigre e o dragão

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Jardim antropológico

Sigo minha jornada agora em meu jardim
Rego minhas flores toda manhã
Jardim de esperança em um futuro promissor
De flores e folhas coloridas e viçosas
Que belas flores eu tenho!
E ainda estão a desabrochar
Converso com elas e elas em troca
Perfumam minha vida
Com aroma da força da juventude
Dou-lhes água e mostram-me folhas fortes
Entumecidas, do mais saudável verde!
Sigo assim: envelhecendo e morrendo
E aos poucos, ao contrário do natural,
Aos poucos me tornando seiva
Para essas existências maravilhosas!

Verbo to be

Não gosto do ser
Gosto do estar
Eu nunca sou,
Estou
Ninguém nunca é,
Está
O estar escancara a efemeridade das coisas
O ser é estático
Imutável
Irreal.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Fogo

Eram duas chamas separadas
Por campânulas de um vítreo destino
Queimavam sozinhas,
envoltas de escuridão.
Mas chegou-se o dia em que
a necessidade do calor fez-se maior
O medo do escuro e seus assombrações
Fez-se maior.
Quebraram-se os vidros,
enrolaram-se os pavios,
regadas de mesmo fluido
e alimentadas de mesmo oxigênio.
Moldavam como sua casa
a mesma escultura de cera.
Brilharam com nunca.
Calor que jamais se sentira.
Arderam entre si
Como jamais nenhuma delas ardera.

E até que se haja pavio, fluido e oxigênio,
Assim hão sempre de ser:
Eternas enquanto durem.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Aquele abraço

Era ali mesmo o centro do universo
Como se o espaço, de modo reverso
Surgisse do encontro dos corações

Foi um instante deveras fecundo
Foi um milênio em poucos segundos
Onde da História se perpassaram eras.

Era epopeia em data marcada
Donde o heroi pôs o pé na estrada
Para encontrar um amor similar

Foi a Eternidade em forma de abraço
Como se o tempo, se curvando em laço
Desse voltas e voltas em torno de nós

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Devaneio

Chega de verso rimado
Se o compasso do peito
Métrica nenhuma segue!

Preferível o inferno de minhas sete vidas
À pureza desse amor
Que minhas profanas e imundas mãos
Se recusam a macular

Explodam-se as redondilhas!
Hei de romper com essa métrica
Onde a confusão do meu coração
Jamais se encaixará.

Danem-se as trovas
Delírios hipócritas
Que condenados do coração
Insistem em cantar!

Antes a ânsia do desejo
Da luxúria descabida, o ensejo
De noites nefastas em casas estranhas
À cegueira desse brilho absurdo
Que, controverso, vem de seus olhos escuros
Ao olhar sorrindo para os meus.

E então que nesta cegueira
Tu me concedes a eira e a beira
E me tirando deste devaneio
Sendo teu braço forte o esteio

Novamente me volto a rimar


terça-feira, 8 de julho de 2014

Repentino

Por que me surgiste em repente?
Por que não me deste um aviso?
Não toco em teu improviso
Que em susto assusta-me a mente

Será esse jogo um abismo?
No qual eu me jogo de frente
E sem me conter eu somente
Me lanço em teu cataclismo

Desastre que me desordena
Senzala que abriga-me o riso
E eu mesmo assim ainda piso
Na chance que surge-me em pena

Aparece-me em data marcada
Aparece-me em dois ou três ciclos
Sem jogo, sem medo ou amigos
Que a nós só um beijo e mais nada

domingo, 8 de junho de 2014

Assalto

Minha casa foi novamente invadida. Roubou-me os discos dançantes, os ingressos para festas, o dinheiro para a cervejinha no bar e a sunga de natação. Deixou-me Ângela Rô Rô, caderninho e caneta, a garrafa de whisky e um maço de cigarros, um coração apertado e a falta de fôlego.

Um covarde assalto! Um assalto a olhos armados: castanhos escuros. Arma comum, mas usada com destreza incisiva! Absolutamente letal, não pude nem arriscar reação. As pernas congelaram e a vida passou-me toda diante dos olhos. Dos meus e dos teus. Dos nossos. Agora o que era meu é teu. Essa é a triste sina do alvo do crime.

Um crime perfeito, por sinal. Completamente sem provas: os olhos não têm digitais, e nem tive tempo de anotar a placa das íris castanhas. Os lábios fartos e carmim são circunstanciais, imagino, bem como a cor de jambo. Coisa de profissional, já disse. Desferiu-me um cumprimento meigo, porém altivo, um leve toque de mãos aos ombros e o golpe final foi um sorriso com covinhas.

Depois de traiçoeiramente me ludibriar com uma conversa adorabilíssima foi embora, mas ainda me ameaçando com os cabelos pretos e o corpo escultural muito bem disfarçado no jeito largado, nas roupas comuns e nos chinelinhos de dedo. Coisa de ninja, levou-me praticamente tudo e só agora me dei conta. Aliás, me dei conta quando me peguei esperando ansiosamente pelo dia que virá levar o resto das coisas que deixou para trás.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Flutuante

Vi hoje uma pluma que flutuava calmamente em sua leve trajetória e calmamente buscava o caminho do chão. Caminho esse por vezes um pouco estremecido por pequenas intempéries eólicas, manifestações irrevogáveis da natureza, mas ainda sim era um caminho manso, de uma leveza e serenidade um tanto quanto incomuns. Nesse pequena observação da pluma que procurava, sem nem um segundo se desesperar, seu descanso perpétuo junto ao solo, percebi que como pluma por agora vou. Sigo um caminho tranquilo, sem muitos desesperos, bem como sem grandes ambições. Um futuro sereno, de muita paz e sem buscar nem passar por grandes extravagâncias ou exageros. Um caminho de pluma, de fato. Prosseguindo nessa ideia me perguntei o que seria meu chão nessa história. Rapidamente concluí: meu chão é a paz. Meu chão é a alegria. Meu chão é a felicidade.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Compaixão

E do choro desesperado
das almas que sofriam
Nasceu uma flor.
Uma flor tão sublime e delicada
que outras pessoas esqueciam
De seus próprios sofrimentos.
E as pessoas que antes sofriam
também esqueciam porque sofriam,
felizes da utilidade de seu
Remoto sofrimento.

Chamemos essa flor "Compaixão".

sábado, 5 de abril de 2014

Bate-bola

Um olhar atravessado. Um semblante carrancudo. Sem motivo. Minto, tem motivo. Motivo sem mote, mas tem. Um gol a mais, um ponto a menos. Camisas distintas. Há algo errado. É tudo triste. Um campeonato. Uma vida?! É tudo errado. Há algo triste. Bola em campo, vida em jogo. Pudor. Cadê? Humanidade? Sei lá. Amores em cores, cores por rancores. Sangues azuis e brancos. Sangues alvinegros. E eu que julgava respirarmos todos pelo vermelho. E o verde? O verde sempre domina. O verde sempre comanda. O verde compra, o verde vende, o verde apita. O verde rege essa peça neo-clássica que nada ilumina. E no surrealismo dessa neo-realidade perecemos. Torcemos, matamos, morremos. E nela, mesmo antes de morrer, de morte já vivemos.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Sobre tonéis e corações

Assim como amadeirado torna-se o gosto da cachaça, com o tempo amadeiradamente amo agora. O tempo, bálsamo etéreo que ameniza todas as dores e sentimentos, ameniza também o amar. Não, assim como com o uísque, ameno jamais significará pior. Tampouco menor. A urgência desmedida, o gosto exalante do álcool  e o gelo necessário para goladas afoitas, escondem notas do sabor, e tornam selvageria instintiva boa parte do gosto sublime do amor.

É fatal. Tal qual as uvas chorosas em lágrimas de sangue pelo pisar impiedoso e sem coração, o sofrimento, a ânsia, o aperto, as pernas bambas, o corar das faces, a falta de palavras e de lugar para as mãos também fazem parte de um processo de fabricação de uma seiva. E na adega escura da desilusão, da solidão, da falta completa de esperanças, essa seiva necessita descansar por um bom tempo. Esse tempo, sim, depende tanto da uva quanto da crueldade dos pés que a maceraram. Anos, década talvez, e poderemos então experimentar o sabor tocante e gracioso do tenro vinho do coração. Que amansa a alma, que acalma a língua e que traz à vida um novo sentido para ela mesma.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Deixa bailar!

Baila no ar
A menina que dança
Que somente se lança
Quando quer se lançar

Sonha com o ar
A menina que canta
Que não se desencanta
Com todo o seu penar

Pensa na luz a menina no breu
Pensa no bem a menina no mal
Vislumbra o trem que avança
Nos ferros das tranças de todo esse mar

Entra nos céus
Quando deita na cama
Quando solta da trama
De todos negros véus

Morre ao léu
Sem nem ter a lembrança
De que quando criança
Pôde livre bailar

César

Vem chegando agora
Leva o mal embora
Chega assim, mansinho
Lava o meu caminho

Vou cuidar de você
Eu serei p'ra você
Seu cais e seu prumo
Que o seu coração
Nunca esqueça a canção
Do meu amor

Vai abrir a porta
Seguir sua história
Mas não vá, sobrinho
Sem o meu carinho

Bárbara

Vem menininha tão cheia de luz
Vem com seu brilho que a todos seduz
Vem com a beleza de um andaluz
Que sua paz como ouro reluz

Se algum dia a tristeza chegar
Nunca se esqueça de me procurar
Se de seus olhos gotinha cair
Não se demore e volte a sorrir

Que você é mais, é puro amor
Seu coraçãozinho não dá chance pro rancor
Que você é sol, só faz brilhar
E nos ilumina só com pequenino olhar