quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Fantasma

A um fantasma devotei minh'alma,
Meus anos e minhas lágrimas.
A um fantasma devotei meus risos,
Meus sóis e madrugadas.

Um fantasma roubou-me a paz.
Roubou-me os olhos e o meu sono.
Um fantasma que nada traz
Além de choro e abandono.

Se aparece, em polstergeist,
Acendo logo os castiçais,
Só que antes do jantar ele some.

Se aparece, assombração!
Bate-me as portas do coração
E deixando-as cerradas ele some.

A um fantasma faço rituais,
Acendo velas, procuro em vitrais
O espectro de sua presença.

Este fantasma, que bem me faz?
Além da beleza de sua forma altiva
Que ao surgir, gozam meus olhos em alegria?

A um fantasma devotei minha vida
Aqui escrevendo nesta noite fria
Da possessão há anos sofrida
Por esta aparição, por este guia.

A um fantasma devotei meu mundo
Tendo seu rei colocado em xeque
Segue parado a cada segundo
Girando tal qual as mesas de Allan Kardec.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Destino marcado

eu aqui pensando nas voltas da vida
e como ela me troxe de volta
às trilhas que você fez

não foi o acaso, nem deus
foi você que me trouxe de volta
às trilhas que você fez

de corpo marcado, de dorso suado
andando nas trilhas que você fez
é que agora retorno, de couro, de aço
às trilhas que você fez

de pele queimada, de alma marcada
andando nas trilhas que você fez
é que agora me deixo, ao vento e ao prado
e me lembro das trilhas nas quais
foi você quem me fez

sábado, 29 de agosto de 2015

Ode aos churrascos de sábado

Brindemos!
Ao sol que nasce
Ao amor que verte
Ao dia eterno
Que não se escurece
E ilumina as pétalas do nosso jardim!

Bebamos!
Que a vida é longa
Que a noite é curta
Que a tristeza é ácida
E a alegria grande
Para caberem em coração sóbrio!

Cantemos!
Que há grandes males
Que há grande espanto
Mas a vida dá o tom
E a perfeita harmonia
Só nos resta compor e cantar a melodia!

Dancemos!
Que o corpo é jovem
Que a dama é moça
E o bolero da vida
Que pra lá vai, mas pra cá fica
Enche a alma de libido e paixão!

Amemos!
Que o amor é mato
Que o amor é praga
É fogo que não se apaga
É a vítima, o réu e o fato!

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Alien

Você não pode ser humano
O poder que exerce sobre mim
Um misto de medo e vergonha

O que nos causa o medo
É o que atrai aos nossos nossos lados mais obscuros
E esta atração envergonha

Tenho medo
Tenho medo da sua distância
Tenho medo de não ter por perto tamanha existência

Que me toca e me faz venerar
Que me atinge
Que me tinge em rubor
Que me tira do prumo
E me ausenta

Tenho medo
Tenho medo da sua beleza
Tenho medo do palpitar em meu peito quando se aproxima
E das pernas bambas quando passa

Sinto como se fosse o melhor dos vícios
E o mais forte dos venenos
Que dilaceram
Que corroem
Que matam

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Ex-gay

Borboleteava aqui e acolá. Desde pequeno calçava os sapatos da mãe e imitava com grande categoria a amada figura Dona Florinda. Era pena na cabeça e rebolados "indígenas". Eram as saltitanças pela casa e eram os desenhos de princesas. Lindos, "mas isso lá é coisa de menino fazer?" diziam os familiares.

Sempre foi um amor de criança. Na escola era só boas notas e lia livros muito mais avançados que seus coleguinhas. Gostava de arte em geral, mas sempre tendia ao teatro. "Adoro fazer drama!" era seu hino de adolescente. Mas na verdade não fazia nada: era generoso, carinhoso e muito condescendente. As brincadeirinhas homofóbicas de colégio eram tão frequentes e vinham de tão antes de entender-se por gente que nem ligava: "Ah! É isso mesmo! Não me junto com essa gentalha!", relembrava seu ídolo. Porém se juntava. Fazia amigos sempre e em qualquer lugar. Outros meninos chegavam de outros colégios, estranhavam seu comportamento e entravam nas brincadeiras com outras intenções. Mas rapidamente notavam o  enorme carinho e a admiração oculta que seus colegas tinham por ele. Era espontâneo, dono de si e não duvidava nunca de sua felicidade. E era justamente essa a fonte de sua força, de seu coração e de seu carisma.

Cresceu. Como já dizia há tempos, "tinha alma de artista!" e foi para o Rio estudar Artes Cênicas. A essa época a família toda já aceitara a sexualidade do rapaz, que, mesmo não sendo "o que o pai esperava", era uma pessoa fantástica e que sempre promovia o bem. "Meu filho pode ser o que for, mas é muito mais homem do que a maioria dos que falam dele por aí!", bradava o pai com certo orgulho até.

Já se apresentava em um pequeno grupo de teatro e suas performances eram sempre aplaudidas. Sua carreira estava começando com ares de próspero futuro! Seus professores já viam nele um grande potencial e as propostas de trabalho pipocavam cada vez mais ao aproximar-se de sua formatura.

Tudo estava belo para ele, não tinha do que reclamar - se bem que não era do seu feitio reclamar da vida. Até que um dia voltando de um ensaio à noite encontrou um grupo de rapazes: embriagados, enraivecidos e invejosos de qualquer felicidade alheia. "Ô, bichinha!", disse um. "Lá vai o viado!", outro. "Tá indo dar a bunda, é?", um terceiro. Nosso amigo replicou (nunca foi de seu íntimo ter medo): "Eu não, mas pelo visto vocês é que tão querendo!", disse com um certo glamour que ele só conseguia quando queria irritar. E infelizmente conseguiu. Foi perseguido pelo grupo. Foi espancado num beco. Foi estuprado por cinco. Foi cortado por garrafas quebradas. Foi sangrado até a morte.

O grupo sumiu da mesma forma anônima com a que apareceu. Aparentemente os iguais esvaem-se em meio à multidão de outros iguais. Ninguém sabe deles. Ninguém viu nada.

Lembrei-me deste caso hoje mesmo quando ouvi alguém dizer que não existe ex-gay. Rapidamente pensei comigo: "existe sim. É que diz-se que os anjos não têm sexualidade..."

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Aos covardes

Não ousem vocês, atrofiados do pensamento, se compararem a nós, os libertários de visão! Vocês não têm talento para a vida. Vocês são um sopro indolente e asmático, com o qual alguma divindade medíocre depositou os resquícios ínfimos de sua vitalidade.

Alguns de vocês chegam até a ser grandes perante a sociedade, mas em sua totalidade são ridiculamente minúsculos dentro de si. Ostentam um falso título de sábios do mundo, mas têm medo de descobrir os motivos de suas palpitações insones em meio às madrugadas.

Vocês pregam o excesso de obediência civil. Vocês ignoram e aplaudem quando defecam em suas cabeças embasados a uma legislação corrupta, e são indiferentes às lutas reais para uma mudança efetiva da sociedade. Vocês têm preguiça do coletivo e só têm olhos para seus próprios umbigos. 

Vocês são demasiadamente urbanos. Vocês preferem o concreto e o metal à natureza. É que suas visões são constantemente fechadas pelos antolhos que vocês insistem em carregar, impedindo-os de contemplar as maravilhas ao seu redor.

Vocês são pobres de cultura. Vocês preferem o som do trator a uma bela melodia; uma briga de rua a uma peça de teatro; uma nota de cem a uma magnífica pintura (a não ser que esta retrate suas imagens - vocês são completamente apaixonados por suas próprias feições).

Vocês são mesquinhos. Vocês podem até doar seus dízimos para suas igrejas, mas jamais estenderam a mão para os famintos nas ruas nem amansaram seus ouvidos para escutar sinceramente alguma pobre alma somente necessitada de um pouco de atenção.

Vocês não têm empatia. Vocês procuram explicações e merecimento para todo e qualquer sofrimento alheio e procuram transformar a felicidade de outrem em também sofrimento.

Vocês não assumem sua sexualidade. Vocês se lambuzam em sessenta-e-noves libertinos, mas é o papai-e-mamãe que consideram benemérito de casamento.

Vocês são dogmáticos. Os dogmas não necessitam de raciocínio e economizam aos seus modestos cérebros a atitude de pensar.

Vocês não são o todo, quiçá a metade. Vocês estão longe de encontrar a plenitude em si próprios e necessitam dos outros para descarregar seus traumas desconhecidos e suas desilusões fúteis.

Vocês são invejosos.
Vocês são incompletos.
Vocês são dignos de pena.

Vocês são infelizes.

domingo, 7 de junho de 2015

Autoditadura

Se há luz ou treva
Quem dita sou eu
Se há paz ou guerra
Quem dita sou eu

Se há loucura ou sanidade
Quem dita sou eu
E o temor da meia idade
Quem dita sou eu

Quem dita sou eu
Os trilhos de minha felicidade
E se os vagões seguem em breu
É de minha mente a claridade

Quem dita sou eu
Os caminhos de minha consciência
O ornato do camafeu
Sou eu que o dou existência

Quem dita sou eu
Em toda a minha clarividência
Que vinda do Amor ou da Ciência
Jamais há de me permitir ao que não é meu




terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Porta aberta

Bom, agora é hora, eu acho
De abrir meu portão.
Abrir o meu lar para visitação
Deixar tirar foto, cantar e dançar no salão.

Eu baixei minhas portas no dia
Que ouvi sobre mim umas troças
De diabos que espreitavam já pelo saguão.

Com cara fechada e machado na mão
Corri como um louco pela escuridão
A dar machadadas a esmo, em vão.

Foi quando notei que assim não funciona
Larguei o machado, peguei uma lona
E pus-me a juntar umas tralhas em mim

Limpei cada canto, cada encanto quebrado
À noite desnudo, à luz fantasiado
Pra não espantar visitantes afins.

E então com a faxina se foram os diabos
Sem cheiro de mofo e de rabos queimados
Pela luz que adentrou a janela, enfim.

E então que agora esta casa eu reabro
Para visita ou morada de fato
E como um vaso assim preparado
Aceito semente, muda ou enxerto
E hei de nutrir com esmero e acerto
Tomando de minha limpeza a fonte
Para a orquídea que entrar e vingar no xaxim.