domingo, 8 de junho de 2014

Assalto

Minha casa foi novamente invadida. Roubou-me os discos dançantes, os ingressos para festas, o dinheiro para a cervejinha no bar e a sunga de natação. Deixou-me Ângela Rô Rô, caderninho e caneta, a garrafa de whisky e um maço de cigarros, um coração apertado e a falta de fôlego.

Um covarde assalto! Um assalto a olhos armados: castanhos escuros. Arma comum, mas usada com destreza incisiva! Absolutamente letal, não pude nem arriscar reação. As pernas congelaram e a vida passou-me toda diante dos olhos. Dos meus e dos teus. Dos nossos. Agora o que era meu é teu. Essa é a triste sina do alvo do crime.

Um crime perfeito, por sinal. Completamente sem provas: os olhos não têm digitais, e nem tive tempo de anotar a placa das íris castanhas. Os lábios fartos e carmim são circunstanciais, imagino, bem como a cor de jambo. Coisa de profissional, já disse. Desferiu-me um cumprimento meigo, porém altivo, um leve toque de mãos aos ombros e o golpe final foi um sorriso com covinhas.

Depois de traiçoeiramente me ludibriar com uma conversa adorabilíssima foi embora, mas ainda me ameaçando com os cabelos pretos e o corpo escultural muito bem disfarçado no jeito largado, nas roupas comuns e nos chinelinhos de dedo. Coisa de ninja, levou-me praticamente tudo e só agora me dei conta. Aliás, me dei conta quando me peguei esperando ansiosamente pelo dia que virá levar o resto das coisas que deixou para trás.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Flutuante

Vi hoje uma pluma que flutuava calmamente em sua leve trajetória e calmamente buscava o caminho do chão. Caminho esse por vezes um pouco estremecido por pequenas intempéries eólicas, manifestações irrevogáveis da natureza, mas ainda sim era um caminho manso, de uma leveza e serenidade um tanto quanto incomuns. Nesse pequena observação da pluma que procurava, sem nem um segundo se desesperar, seu descanso perpétuo junto ao solo, percebi que como pluma por agora vou. Sigo um caminho tranquilo, sem muitos desesperos, bem como sem grandes ambições. Um futuro sereno, de muita paz e sem buscar nem passar por grandes extravagâncias ou exageros. Um caminho de pluma, de fato. Prosseguindo nessa ideia me perguntei o que seria meu chão nessa história. Rapidamente concluí: meu chão é a paz. Meu chão é a alegria. Meu chão é a felicidade.