segunda-feira, 31 de março de 2014

Sobre tonéis e corações

Assim como amadeirado torna-se o gosto da cachaça, com o tempo amadeiradamente amo agora. O tempo, bálsamo etéreo que ameniza todas as dores e sentimentos, ameniza também o amar. Não, assim como com o uísque, ameno jamais significará pior. Tampouco menor. A urgência desmedida, o gosto exalante do álcool  e o gelo necessário para goladas afoitas, escondem notas do sabor, e tornam selvageria instintiva boa parte do gosto sublime do amor.

É fatal. Tal qual as uvas chorosas em lágrimas de sangue pelo pisar impiedoso e sem coração, o sofrimento, a ânsia, o aperto, as pernas bambas, o corar das faces, a falta de palavras e de lugar para as mãos também fazem parte de um processo de fabricação de uma seiva. E na adega escura da desilusão, da solidão, da falta completa de esperanças, essa seiva necessita descansar por um bom tempo. Esse tempo, sim, depende tanto da uva quanto da crueldade dos pés que a maceraram. Anos, década talvez, e poderemos então experimentar o sabor tocante e gracioso do tenro vinho do coração. Que amansa a alma, que acalma a língua e que traz à vida um novo sentido para ela mesma.

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